Muita gente acha que o fato de alguns alunos conseguirem executar tarefas de alta complexidade, enquanto outros, não, está vinculado à pré-disposições do cérebro de cada um, mas essa ideia tem sido veementemente refutada. Vários estudos mostraram a incrível capacidade do cérebro de crescer e se modificar num espaço de tempo incrivelmente curto.
Pesquisas com motoristas de táxi em Londres fornecem inacreditáveis demonstrações da plasticidade do cérebro. Para se tornar motorista de táxi na capital britânica, é necessário estudar por cerca de dois a quatro anos e, ao fim desse período, fazer um teste chamado “The Knowledge” (O Conhecimento). Para passar em The Knowledge, é preciso memorizar o nome de mais de 25.000 ruas e 20.000 pontos de referência no centro de Londres. Os cientistas descobriram que, depois desse complexo treinamento espacial, o hipocampo dos motoristas havia crescido de forma significativa. O hipocampo é uma área do cérebro especializada em adquirir e usar informações espaciais complexas. Quando os motoristas se aposentam, muito anos depois, a região volta ao tamanho original.
Os estudos feitos com os motoristas londrinos, dos quais, hoje, já houve muitos, mostraram um nível de flexibilidade, ou plasticidade, do cérebro que surpreendeu os cientistas. Eles não sabiam que um crescimento assim fosse possível, o que transformou sua forma de pensar em relação à habilidade e à capacidade do cérebro de mudar e crescer.
Mais ou menos na época em que as pesquisas com os taxistas londrinos estavam surgindo, um acontecimento abalou ainda mais o mundo científico. Uma garotinha de nove anos, Cameron Mott, sofria convulsões que os médicos não estavam conseguindo controlar. Seu médico, Dr. George Jello, propôs algo radical: remover metade do cérebro de Cameron, todo o hemisfério esquerdo. A operação foi revolucionária — e, por fim, bem-sucedida. Nos dias subsequentes, Cameron estava paralisada, e os médicos esperavam que ela ficaria assim por anos, pois a parte esquerda do cérebro é responsável pelos movimentos físicos. No entanto, à medida que as semanas e meses foram passando, ela recuperou os movimentos e sua vida foi voltando ao normal, o que surpreendeu os médicos. Tal recuperação só podia significar uma coisa – o lado direito do seu cérebro estava desenvolvendo as conexões de que precisava para executar as funções do lado esquerdo.
Os médicos atribuíram sua recuperação à incrível plasticidade do cérebro, e só puderam concluir que ele havia, de fato, “voltado a crescer”.
Esse crescimento havia ocorrido mais rápido do que os médicos achavam possível. Agora, Cameron corre e brinca com as outras crianças, e o único sinal de sua significativa perda cerebral é que ela é levemente manca. Para saber mais sobre essa história, visite o site do Today Show.
As novas descobertas de que o cérebro pode crescer, se adaptar e mudar chocaram o mundo científico e geraram novos estudos e aprendizados sobre o cérebro, por meio de tecnologias e equipamentos de tomografia cerebral cada vez mais avançados. Em um estudo altamente significativo para nós, que trabalhamos no campo da educação, os pesquisadores do National Institute of Mental Health (Instituto Nacional da Saúde Mental) deu às pessoas um exercício de 10 minutos para que o realizassem diariamente durante três semanas. Eles compararam o cérebro entre os que haviam, e os que não haviam, recebido o treinamento.
Os resultados mostraram que as pessoas que executaram o exercício por alguns minutos diariamente sofreram mudanças estruturais no cérebro, o qual, em decorrência da tarefa mental de 10 minutos executada durante apenas 15 dias ao longo de três semanas, foi “reconectado” e cresceu. Esses resultados deveriam estimular os educadores a abandonar ideias fixas tradicionais em relação ao cérebro e ao aprendizado que hoje estão disseminadas pelas escolas – conceitos de que as crianças são inteligentes ou burras, rápidas ou lentas.
Se o cérebro pode mudar em três semanas, imagine o que pode ocorrer em um ano de aulas de matemática, se os alunos receberem os materiais certos, e também mensagens positivas que reiterem seu potencial e capacidade.
Este artigo contém trechos do novo livro de Jo Boaler, Mentalidades Matemáticas: Desencadeando o potencial dos alunos com Matemática Criativa, Mensagens Inspiradoras e Ensino Inovador.
Ensinando Crianças com Estas Mensagens
Em um curso de férias recente, a equipe do youcubed ensinou mensagens sobre o cérebro e mentalidade a estudantes da região, dos 6º e 7º anos. Ela também – é importante ressaltar – ensinou matemática de um modo consonante com os novos resultados de pesquisas. O curso de férias surtiu um enorme impacto sobre os alunos. Após 18 dias de aulas de matemática, uma média de 50% deles obteve melhores resultados em testes padronizados.
Você pode conhecer o curso neste videoclipe:
Confira alguns relatos dos alunos:
“Eles nos ensinaram como, hum, como a matemática é para todos, e antes eu achava que não levava jeito pra matemática, mas agora acredito que qualquer pessoa pode estudar matemática, e isso me ajudou muito. E eu achava que matemática era só respostas certas ou erradas, mas, na verdade, ela é muito criativa, e isso me ajudou a gostar muito mais da matéria”. – Olivia
“Quatro ou cinco cérebros funcionam melhor que um, então quando combinamos todas as nossas ideias…. Quando temos uma ideia, a gente mostra pra todo o grupo e, depois, compara todas elas e se algumas, se algumas pessoas tiverem a mesma ideia, a gente tenta convencer a outra pessoa para ver quem está certo”. – Antonio
Então, a matemática é … tipo, agora que eu vi uma perspectiva totalmente nova da coisa, eu gosto muito dela porque é realmente, é um assunto muito criativo, e tem muitas maneiras de resolver um problema de matemática e, hum, é divertido pra caramba. – Isabel
Referências
BOALER, J. Mentalidades Matemáticas: Desencadeando o potencial dos alunos com Matemática Criativa, Mensagens Inspiradoras e Ensino Inovador. Porto Alegre: Penso Editora, 2016.
_____________. What’s Math Got to Do with It? How Teachers and Parents Can Transform Mathematics Learning and Inspire Success. Nova York: Penguin, 2015.
KARNI, A.; MEYER, G.; REY-HIPOLITO, C.; JEZZARD, P.; ADAMS, M.; TURNER, R.; UNGERLEIDER, L. The acquisition of skilled motor performance: Fast and slow experience-driven changes in primary motor cortex. PNAS, v. 95, n. 3, p. 861–868, 1998
ABIOLA, O.; DHINDSA, H. S. Improving classroom practices using our knowledge of how the brain works. International Journal of Environmental & Science Education, v. 7, n. 1, 71–81, 2011.
MAGUIRE, E.; WOOLLETT, K.; SPIERS, H. (2006). London taxi drivers and bus drivers: A structural MRI and neuropsychological analysis. Hippocampus, v. 16, n. 12, p. 1091–1101, 2006.
WOOLLEETT, K.; MAGUIRE, E. A.. Acquiring “The Knowledge” of London’s layout drives structural brain changes. Current Biology, v. 21, n. 24, p. 2109–2114. Book Image, 2011
Para ler estudos sobre escolas que deram aos alunos mensagens positivas sobre sua habilidade, combinando-as ao ensino matemático que apoia as mensagens sobre o cérebro, consulte:
BOALER, J. Open and closed mathematics: Student experiences and understandings. Journal for Research in Mathematics Education, v. 29, n. 1, p. 41–62, 1998.
__________. Experiencing school mathematics: Traditional and reform approaches to teaching and their impact on student learning (revised, expanded edition). Mahwah, NJ: Erlbaum, 2002.
__________. Learning from Teaching: Exploring the Relationship Between Reform Curriculum and Equity. Journal for Research in Mathematics Education, v. 33, n. 4, p. 239-258, 2002.
__________. The ‘Psychological Prison’ from which they never escaped: The role of ability grouping in reproducing social class inequalities. FORUM, 47, 2&3, 135-144, 2005.
__________. Opening Their Ideas: How a de-tracked math approach promoted respect, responsibility and high achievement. Theory into Practice. Winter 2006, v. 45, n. 1, p. 40-46, 2006.
__________. Urban Success. A Multidimensional mathematics approach with equitable outcomes. Phi Delta Kappan, 87, 5, 2006.
BOALER, J.; GREENO, J.. Identity, agency and knowing in mathematics worlds. In J. Boaler (Ed.), Multiple perspectives on mathematics teaching and learning, pp. 171–200. Westport, CT: Ablex Publishing, 2000.
BOALER, J; STAPLES, M. Creating Mathematical Futures through an Equitable Teaching Approach: The Case of Railside School. Teachers’ College Record. v. 110 n. 3, p. 608-645, 2008.